André Brandão
A publicação do nosso relatório anual é um momento de colheita e de reflexão sobre novos plantios. Ao olharmos para o ano que passou, identificamos resultados conquistados, lições aprendidas e os novos desafios a serem enfrentados.
Iniciamos 2013 com um realinhamento da energia institucional, dando continuidade ao planejamento para o biênio. Ao lado do atendimento, fortalecimento das instituições locais, mobilização e programação cultural, nos colocamos diante de um desafio ousado: inserir a influência em políticas públicas como uma nova linha de atuação. Essas cinco formas de atuação embasam a realização de três objetivos estratégicos para cumprir nossa missão: contribuir com a redução das vulnerabilidades sociais de adolescentes e jovens; contribuir para a ampliação da oferta e da efetividade das ações voltadas ao desenvolvimento de São Miguel Paulista empreendidas pelo Estado, iniciativa privada e outras organizações da sociedade civil; e promover a valorização do patrimônio cultural de São Miguel Paulista e fortalecer sua conexão com a cidade.
Influenciar políticas públicas sempre foi uma crença da Fundação Tide Setubal ao refletir sobre a ampliação de oportunidades e garantia de direitos sociais da população de territórios vulneráveis. Acreditamos no papel do Estado democrático para potencializar ações bem-sucedidas realizadas por quem atua nas periferias e conhece de perto suas demandas.
Contribuir para esse processo, pensando no desenvolvimento local sustentável de São Miguel Paulista, é um desafio que acompanha e se transforma há nove anos. Em nosso escopo, estão projetos de atendimento, ponto de partida para a criação de diferentes metodologias na área de comunicação, esporte, cultura, teatro, música, temas da juventude e melhora da qualidade de vida das famílias. Aliás, neste ano, incluímos qualidade de vida como tema específico de um núcleo com ações voltadas para alimentação saudável, saúde e meio ambiente em propostas desenvolvidas diretamente com alunos da rede pública e com professores.
Essas experiências inspiram diferentes modos de fazer, multiplicados nas escolas e organizações locais com o propósito de fortalecê-las e apoiar melhorias nos espaços educativos. Uma das novidades nessa linha de atuação é a presença nos horários de Jornadas Especiais de Formação (JEIFs) nas escolas municipais e nas Aulas de Trabalho Pedagógica Coletivo (ATPC), nas escolas estaduais, ampliando um trabalho de formação antes focado nos professores, em atividades que unem também diretores, coordenadores pedagógicos em debates e construções diante das demandas das escolas com as quais trabalhamos. Dessa forma, damos continuidade a uma construção a partir da escuta e conectada à realidade. Em 2013, o Núcleo de Comunicação Comunitária, o Mundo Jovem, Qualidade de Vida e Ação Família estiveram em nove escolas da região. Em alguns casos, como no CEU Três Pontes, mais de um núcleo atuou na parceria.
A presença na escola possibilitou o estreitamento de laços com as atividades da programação cultural, que contou, ainda, com a mobilização de coletivos culturais da região. O Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, em sua quarta edição, é um dos exemplos dessa união, com três dias de atividades voltadas ao acesso ao livro e à literatura e suas diferentes formas de expressão. Em mais de 20 pontos do bairro, contações de histórias, mediação de leitura, saraus, intervenções artísticas, rádios de rua apresentaram a produção de sete escolas, que passaram de espectadoras a produtoras, e de 43 coletivos.
A festa do livro e da literatura reuniu cerca de 10.300 pessoas e encantou não só o público como, também, convidados, como Ignácio de Loyola Brandão. O escritor publicou um artigo inspirado na emoção de estar no encontro e de ver os frutos literários, livros doados e pendurados nas árvores sendo colhidos pelos moradores. Durante o Festival, 4.900 livros foram distribuídos e 2.500, vendidos. A presença do público que ouviu e participou do encontro de Loyola com Fabrício Carpinejar, por mais de duas horas, também o impressionou. “Há um país desconhecido e há pessoas trabalhando para mudá-lo. São Miguel é o lado oculto da periferia, ansiosa, criativa, querendo e oferecendo coisas. A gerir isso, uma organização como a Fundação Tide Setubal. Esta imagem do ritual da colheita dos livros é que deveria ser expandida pela rede social, para as primeiras páginas dos jornais: os livros tirados das árvores”, escreveu ele.
O Festival também possibilitou o encontro dos moradores de São Miguel Paulista com o colombiano Jorge Melguizo, ex-secretário da Cultura de Medellín, que trouxe a experiência da literatura no combate à violência com a criação dos parques bibliotecas.
A mobilização marcou presença na realização das atividades do Festival, do Encontro de Cultura Caipira e no Encontro de Hip Hop e contribuiu com a criação do Fórum de Cultura de São Miguel. Os participantes articularam encontros com representantes da subprefeitura e redigiram um documento com as demandas da região. A proposta foi entregue ao secretário Juca Ferreira em encontro em São Miguel Paulista. Além disso, os coletivos pretendem, também, criar um modelo de captação de recursos para as iniciativas locais.
Educação, proteção à criança e ao adolescente e prevenção à violência também foram tema de fóruns locais. A Fundação participou de redes com o objetivo de contribuir para o diálogo intersetorial no território e com o poder público. Abrir esse espaço é umas das metas do Fórum de Moradores do Jardim Lapenna, que, assim como nos encontros temáticos, investiu na formação dos participantes para ampliar o diálogo e as possibilidades de intervenção junto ao poder público.
A influência em políticas públicas, nova linha de atuação institucional, revela-se como consequência dessa trajetória. A escuta da comunidade, a formação dos professores, o diálogo com a realidade local trouxeram subsídios para um trabalho mais próximo do poder público na formulação e no alcance dentro do território. Na educação, realizamos o curso Convivência e Comunicação para professores de informática educativa (POIEs), em parceria com a Diretoria Regional de Ensino (DRE), dentro da proposta municipal do Programa Mais Educação, lançado em 2013 pela nova gestão. O uso da tecnologia em sala de aula reuniu 97 professores e foi orientado a partir da sistematização das práticas de educomunicação do Núcleo de Comunicação Comunitária São Miguel no Ar e do trabalho com jovens acerca de seus projetos de vida no Mundo Jovem. O curso contribuiu para uma nova reflexão e o realinhamento de práticas. Como resultado, uma nova edição em 2014.
A Fundação estruturou e realizou, em parceria com a DRE São Miguel, o curso Educação Integral, eixo central do Mais Educação, com o tema Educação Integral: desafios e possibilidades. Em três encontros, aconteceram apresentações e análises de experiências em todo o país e visita a uma proposta desenvolvida em São Bernardo do Campo.
A presença da Fundação Tide Setubal como gestora do Clube da Comunidade (CDC) Tide Setubal possibilitou outra aproximação com as políticas públicas: a participação no Território CEU. O projeto em estruturação, conduzido pela Secretaria Municipal de Educação e de Desenvolvimento Urbano, agrega um novo conceito ao projeto original dos CEUs, visando à integração física e de gestão de equipamentos e serviços públicos num raio de 600 metros para aumentar sua efetividade. O projeto prevê a implantação de novos edifícios em centros esportivos existentes de forma a reutilizá-los e revitalizá-los para maior uso da comunidade.
A proposta se mostrou alinhada ao desejo da Fundação de integrar o trabalho no Clube da Comunidade Tide Setubal com a EMEF Almirante Pedro de Frontim, a EMEI Helena Marin e o Mini Balneário Almirante Pedro de Frontim, equipamentos vizinhos, separados apenas por um muro. A Fundação espera, mais uma vez, contribuir com a implantação de políticas públicas no território, atuando fortemente na mediação do diálogo Estado/sociedade para que se efetivem ações concretas de apropriação do uso do novo espaço.
Ao olhar para 2013, reconhecemos novos caminhos, baseados em um trabalho que se transforma ano a ano, aprimorando experiências e se colocando diante de novos desafios. Convidamos você a navegar nessas trilhas e conhecer um pouco mais sobre nossa história.
Boa leitura!
Maria Alice Setubal
Presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal