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festival do livro e da literatura

Crônica, papel do escritor e necessidade
de bens culturais na periferia marcam
Conversas com Autor

A habitual Conversa com Autor do Festival do Livro e da Literatura de São Miguel contou, em 2013, com os escritores brasileiros Ignácio de Loyola Brandão, Fabrício Carpinejar, Paulo Lins, Ferréz e Leonardo Sakamoto, o jornalista e político colombiano Jorge Melguizo e o secretário municipal de Cultura de São Paulo, e ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira. Um consenso permeou as três mesas: a urgência de mais bens culturais nas periferias paulistana e brasileira. Além disso, o público dialogou sobre o ato da produção literária e o papel do escritor na nossa sociedade.

O auditório D da Universidade Cruzeiro do Sul abrigou o bem-humorado encontro entre o paulista Ignácio de Loyola Brandão (confira aqui crônica do autor que cita o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel) e o gaúcho Fabrício Carpinejar, no dia 7, sob a mediação do jornalista, crítico e músico Cadão Volpato. No centro das discussões, a produção da crônica. Ignácio explicou que ela nasce do que costuma acontecer todos os dias, mas sem ser muito percebida pelas pessoas. “Elas são feitas com as histórias de cada segundo que eu vivo.” E disse que escreve para provocar e se divertir: “Se eu não me divertisse, eu não estaria escrevendo. E também escrevo para tentar entender a vida, mas, como nunca consegui, vou continuar...”. Para Carpinejar, suas narrativas se originam da convivência com as diferenças e, segundo ele, “o escritor quer ser invisível, ele quer ser os outros, transpassar os outros”. Quanto à escrita, ela existe para que ele, “um louco convicto”, possa influenciar os demais. “Eu escrevo para enlouquecer os outros, porque, assim, com mais loucos no mundo, eu pareço normal de novo”, brincou.



Papel da literatura na periferia

O carioca Paulo Lins, autor de Cidade de Deus, se encontrou no dia seguinte com crianças e adolescentes de escolas públicas. No Galpão de Cultura e Cidadania do Jardim Lapenna, ele os orientou a se comprometerem com a escola e o ambiente dos estudos, os quais considera o grande impulso para o desenvolvimento das pessoas, desde que elas não percam de vista seu lado lúdico. “Ler um livro é, antes de qualquer coisa, uma diversão. O livro infantil deve ser tratado como brincadeira, a princípio. O restante, como o entendimento e o conhecimento, é consequência”, diz.

No mesmo dia, de volta ao auditório D, a discussão sobre a literatura e sua importância no desenvolvimento de cidades sustentáveis e humanizadas trouxe Jorge Melguizo, comunicador social colombiano criador dos primeiros parques-bibliotecas de Medellín que colaboraram para reduzir a violência local na cidade de 2,5 milhões de habitantes. Ele exibiu fotos de nove bibliotecas-parques, onde há espaços gratuitos para apresentações artísticas, brincadeiras e conversas e com interligação à comunidade. Por ali passam cerca de 100 mil pessoas por semana. “Construir cultura é escrever outra história nesses prédios, que já foram uma detenção ou um local de torturas”, enfatiza. “A ‘receita para o sucesso’ foi a articulação e o trabalho integral entre os diferentes secretários de governo, além da escuta à comunidade antes de se começar a fazer. É uma arquitetura social”, explica.



O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Juca Ferreira, afirmou que os pontos de cultura e os CEUs são um embrião dos parques-bibliotecas e que poderão ser criados na capital paulista futuramente. Prometeu se empenhar, ao lado dos movimentos culturais das periferias e durante sua gestão, pelo aumento da porcentagem de orçamento destinado à cultura no município: em São Paulo, ela tem 0,64% disponíveis, com promessa de 2% pelo prefeito, ao passo que Medellín trabalha com entre 4% e 5%, segundo Melguizo. Juca também salientou que São Paulo é desumanizada, precisa mudar e perde economicamente com a falta de acesso à leitura “porque o cidadão não compreende o mundo e não se insere nele”. Na sua visão, “o livro é um instrumento fundamental de humanização e ainda não foi superado”.

Arte sofrida e potente

Ferréz e Sakamoto debateram, no último dia, a capacidade dos livros e das novas mídias de traduzirem e aquecerem questões fundamentais para a transformação da realidade e a inclusão de pessoas. A conversa abordou a visão estreita da grande imprensa sobre a periferia e a importância da atuação de forças contra-hegemônicas para fazerem face ao discurso preponderante das elites.

“Toda arte da periferia é mais sofrida porque tudo falta. Mas, como ela nasce da dor, quando vem, vem com força, vem com tudo”, disse o romancista Ferréz, autor de Capão Pecado, que leu um texto de crítica à apatia e à indiferença da classe média paulistana. Para ele, a periferia ainda precisa deixar de ser vista como alternativa ou marginal, porque a elite, em números, na verdade, é bem menor que ela.

O professor e escritor Sakamoto explicou que o jornalismo que faz o papel de “contrapoder” é fundamental para as pessoas compreenderem o que é o Brasil e qual é a real identidade brasileira. “Quem faz um jornalismo diferente, seja por meio de TV, ou rádio comunitária, ou blogs, tem um papel essencial porque escuta as vozes que, na grande mídia, nunca são ouvidas.” Ele também reforçou que o papel do jornalismo é “incomodar o poder” e que, infelizmente, há profissionais de mídia que preferem não conhecer os brasileiros, ficando reclusos em seu pequeno universo já mapeado.