"Caro Antônio Torres,
Você não imagina o que vi há poucos dias na periferia de São Paulo, em São Miguel Paulista. Ali há uma grande praça chamada Morumbizinho. Cheia de árvores. Dessas árvores pendiam cordões e, na extremidade de cada um, um livro. E na extremidade de cada livro, uma pessoa. Como se fosse um fio terra. As árvores, símbolos da vida, mantinham os livros, igualmente símbolos de vida à sua maneira.
Há um Brasil diferente. Há um país desconhecido e há pessoas trabalhando para mudá-lo, caríssimo Torres. Esse Brasil você conheceu em centenas de viagens. Pena que a mídia ignore a existência da Semana Literária de São Miguel Paulista. Numa região de 400 mil habitantes, acontecem centenas de encontros, palestras, oficinas, exposições, teatro, canto. São Miguel é o lado oculto da periferia, ansiosa, criativa, querendo e oferecendo coisas. A gerir isso, uma organização como a Fundação Tide Setubal. Aquela imagem do ritual da colheita dos livros é que deveria ser expandida pela rede social, para as primeiras páginas dos jornais: os livros tirados das árvores."
Os parágrafos acima são parte do artigo Carta a um amigo que realizou o sonho, de Ignácio de Loyola Brandão. Ao lado de Fabrício Carpinejar e Cadão Volpato, o escritor encantou o público em uma conversa sobre a crônica como leitura do cotidiano. O encontro com o bairro de São Miguel Paulista e com o Festival do Livro e da Literatura 2013 foi transformado em crônica para o jornal O Estado de S.Paulo. Sua narrativa (clique aqui e confira o texto na íntegra) relata o encantamento com a ocupação do espaço público pela literatura, com os frutos literários e com a riqueza da programação em mais de 20 pontos no bairro do extremo da cidade. Em nossa redação, um evento que chega à sua quarta edição, integrado ao território e escrito a muitas mãos, com a participação de escolas públicas, organizações não governamentais, coletivos culturais, universidades e instituições atuantes na localidade. Em 2013, cerca de 10.300 pessoas passaram pelo encontro nos três dias de atividades.
A escrita e a leitura cultural são estimuladas e articuladas ao longo do ano pela Fundação Tide Setubal com a criação de uma programação que visa: ampliar o acesso e as ofertas culturais para os moradores, dar visibilidade e valorizar a produção da região, além de estabelecer um diálogo com outras regiões da cidade. As ações são realizadas em um cenário de ausência de equipamentos culturais, São Miguel não tem salas de cinema nem teatro e conta com apenas duas bibliotecas.
Nesse contexto, o Clube da Comunidade Tide Setubal e o Galpão de Cultura e Cidadania, espaços com a gestão da Fundação, abrem espaço e catalisam eventos como o Encontro de Cultura Caipira e de Hip Hop, que entram no calendário da comunidade. A tradição dos festejos juninos reuniu, em 2013, cerca de 2.500 pessoas em dois fins de semana de celebração. As produções de arte e cultura de rua marcaram a programação do Encontro de Hip Hop com a presença de 500 jovens.
No dia a dia da comunidade do Jardim São Vicente e Jardim Lapenna, os Pontos de Leitura ampliam as possibilidades de aproximação com a literatura com contações de histórias e estimulam o contato com o cinema no Cine Pipoca no Ponto. Em 2013, foram 1.464 pessoas nas contações de história e 480 pessoas nas sessões de cinema.
A programação cultural alinha a ampliação das ofertas no território ao fortalecimento dos agentes locais e atua também com os coletivos culturais na implementação de políticas públicas na região e na cidade (leia mais em Influência em Políticas Públicas).